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STF inicia julgamento de ação que pede providências para crise prisional

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta quinta-feira (27) o julgamento de cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, na qual o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) pede que se reconheça a violação de direitos fundamentais da população carcerária e seja determinada a adoção de diversas providências no tratamento da questão prisional do país. Após o voto do relator da ação, ministro Marco Aurélio, concedendo parcialmente a cautelar, o julgamento foi suspenso.

O relator votou no sentido de determinar aos juízes e tribunais que lancem, em casos de determinação ou manutenção de prisão provisória, a motivação expressa pela qual não aplicam medidas alternativas à privação de liberdade; que passem a realizar, em até 90 dias, audiências de custódia, com o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão; que considerem, fundamentadamente, o quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro no momento de concessão de cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo de execução penal; e que estabeleçam, quando possível, penas alternativas à prisão. À União, o relator determina que libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização na finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos.

 

 

PSOL

Da tribuna, o advogado do partido ressaltou que em nenhum outro campo a distância entre “as promessas generosas da Constituição e a realidade é maior, é mais abissal”, do que no que se refere ao sistema prisional. “Não há, talvez, desde a abolição da escravidão, maior violação de direitos humanos no solo nacional”, afirmou. “Trata-se da mais grave afronta à Constituição que tem lugar atualmente no país”.

 

O representante da legenda argumentou que o Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), criado pela Lei Complementar 79/1994, e que reúne recursos destinados à melhoria do sistema carcerário, é sistematicamente contingenciado pelo Poder Executivo. “Há dinheiro, há recursos que não são gastos. Hoje há R$ 2,2 bilhões disponíveis no Funpen”, destacou.

 

 

AGU

Também em manifestação no Plenário, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, afirmou não é o contingenciamento de recursos que impede a execução e realização de projetos, mas a má aplicação da legislação pelos estados, desistências e incapacidades de execução.

 

Para o AGU, a resolução da crise do sistema carcerário exige ações que já estão sendo adotadas por todos os Poderes do Estado, inclusive pelo Judiciário, em matérias já decididas e a serem ainda analisadas. “Falta entendimento entre os Três Poderes”, ressaltou. “Precisamos buscar um diálogo nacional que passe pelos Três Poderes e pelos estados de forma ativa”.

 

 

PGR

Em nome do Ministério Público Federal, a vice-procuradora-geral da República, Ela Wiecko, declarou que, embora reconheça a importância dos pedidos e do tema tratado na ADPF, as medidas cautelares pleiteadas são muito “abrangentes e generalizadas”.

 

 

Segundo a vice-procuradora, o Conselho Nacional de Política Criminal Penitenciária exige o cumprimento de regras no sistema prisional nacional que não são observadas pelos estados. “Simplesmente descontingenciar, deixar uma liberdade total para os estados, significa abrir a porta para o descomprometimento com a obediência a essas normas e tornar esse estado de coisas ainda mais inconstitucional”, afirmou.

 

 

Voto do relator

O ministro Marco Aurélio observou que o tema do sistema prisional está na “ordem do dia” do Tribunal, e tem sido matéria de várias ações, como a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5170, que discute direito de indenização de presos por danos morais, o RE 592581, que discute a possibilidade de o Judiciário obrigar os estados e a União a realizar obras em presídios, e a ADI 5356, sobre a inconstitucionalidade de norma que estabelece o bloqueio de sinal de rádio e comunicação em área prisional.

 

De acordo com o ministro, o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, que ultrapassava, em maio de 2014, 711 mil presos. “Com o déficit prisional ultrapassando a casa das 206 mil vagas, salta aos olhos o problema da superlotação, que pode ser a origem de todos os males”, disse, assinalando que a maior parte desses detentos está sujeita a condições como superlotação, torturas, homicídios, violência sexual, celas imundas e insalubres, proliferação de doenças infectocontagiosas, comida imprestável, falta de água potável, de produtos higiênicos básicos, de acesso à assistência judiciária, à educação, à saúde e ao trabalho, bem como amplo domínio dos cárceres por organizações criminosas, insuficiência do controle quanto ao cumprimento das penas, discriminação social, racial, de gênero e de orientação sexual.

 

Diante disso, segundo o relator, no sistema prisional brasileiro ocorre violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade. “O quadro é geral, devendo ser reconhecida a inequívoca falência do sistema”, afirmou.

 

Nesse contexto, o ministro declara que, além de ofensa a diversos princípios constitucionais, a situação carcerária brasileira fere igualmente normas reconhecedoras dos direitos dos presos, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção contra a Tortura, além da própria Lei de Execução Penal. De acordo com o relator, a violação aos direitos fundamentais nas prisões tem reflexos também na sociedade e não serve à ressocialização. “A situação é, em síntese, assustadora: dentro dos presídios, violações sistemáticas de direitos humanos; fora deles, aumento da criminalidade e da insegurança social”, disse.

 

Para o ministro Marco Aurélio, o afastamento do estado de inconstitucionalidade pretendido na ação só é possível diante da mudança significativa do Poder Público. “A responsabilidade pelo estágio ao qual chegamos não pode ser atribuída a um único e exclusivo Poder, mas aos três – Legislativo, Executivo e Judiciário –, e não só os da União, como também os dos estados e do Distrito Federal”, afirmou. Há, segundo ele, problemas tanto de formulação e implementação de políticas públicas quanto de interpretação e aplicação da lei penal. “Falta coordenação institucional”.

 

 

Papel do Supremo

Para o ministro, o papel do Supremo diante desse quadro é retirar as autoridades públicas do estado de letargia, provocar a formulação de novas políticas públicas, aumentar a deliberação política e social sobre a matéria e monitorar o sucesso da implementação das providências escolhidas, assegurando a efetividade prática das soluções propostas. “Ordens flexíveis sob monitoramento previnem a supremacia judicial e, ao mesmo tempo, promovem a integração institucional”, concluiu.

O julgamento deve ser retomado pelo Plenário na próxima quinta-feira, 3 de setembro.